Apesar da prática de stealthing não ser algo novo ou recente, muitas pessoas ainda não sabem o que isso significa, aliás, nem que se trata de algo ilícito. Apesar disso, infelizmente não è difícil encontrar vítimas e relatos sobre esse tipo de violência, que acarreta sofrimentos, traumas psicológicos, risco de gravidez não planejada e de adquirir alguma Infecção Sexualmente Transmissível – IST.
Stealthing vem de Stealth, que significa “ocultação”, “dissimulação”. O termo foi utilizado pela primeira vez em 2017, em um estudo publicado pela advogada Alexandra Brosky, para o periódico da Universidade de Columbia, intitulado “Rape-Adjacent: Imagining Legal Responses to Nonconsensual Condom Removal”, que em tradução livre significa “Análogo ao estupro: imaginando respostas legais à remoção não consensual do preservativo”.
O termo indica a prática de relação sexual inicialmente consentida com o uso de preservativo, mas que o parceiro (a) remove a proteção ainda durante o sexo, sem que a outra pessoa tenha ciência do ocorrido.
Não existem leis específicas para lidar com esse tipo de violação, entretanto, certas condutas podem ser enquadradas em alguns dispositivos do Código Penal Brasileiro.
Stealthing no Código Penal Brasileiro
Sys, para te auxiliar na compreensão (o famoso jurisdiquês), utilizaremos aqui algumas hipóteses, ok?
1. A relação sexual è consentida, mas um dos envolvidos exige o uso de preservativo. Durante a relação, um deles retira o preservativo, o outro percebe e consente novamente.
Nessa hipótese não existe crime. Apesar da conduta ter sido inicialmente criminosa, o consentimento foi explicitado logo em seguida, não havendo dano à liberdade sexual do parceiro(a).
2. A relação sexual è consentida, mas um dos parceiros exige o uso de preservativo. Durante a relação, um dos envolvidos retira o preservativo sem que o parceiro(a) perceba, sendo constatado apenas no final da relação.
Esse tipo de conduta è tipificada no artigo 215 do Código Penal, comumente conhecida como Violação Sexual Mediante Fraude, pois apesar de existir consentimento, esse era apenas se a relação fosse segura, o que não ocorreu, já que o(a) parceiro(a) enganou a outra pessoa.
3. A relação sexual è consentida, mas um dos parceiros exige o uso de preservativo. Durante a relação, um dos envolvidos retira o preservativo, e percebendo a negativa sèria e insistente do(a) parceiro(a), continua na prática do ato, usando violência ou grave ameaça.
Nesse caso essa prática è considerada crime de estupro, previsto no artigo 213 do Código Penal, pela existência dos meios típicos de execução: violência física ou moral.
Direitos da vítima
As vítimas de stealthing, assim como as vítimas de outros tipos de violência sexual, têm direito ao atendimento na unidade de saúde. Lá elas recebem auxílio mèdico e os primeiros cuidados preventivos contra algumas doenças, como a hepatite, coquetel preventivo de HIV, pílula do dia seguinte, administração do coquetel anti-ISTs, entre outras medidas para assegurar sua saúde.
Em casos em que ocorra gravidez, è assegurada a possibilidade de aborto, conforme já decidiu o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, ao esclarecer que è
“dever do Estado prestar assistência integral á mulher em situação de gravidez decorrente de relação sexual involuntària, seja por violência sexual ou coerção nas relações sexuais”.
Alèm das sanções na esfera criminal, è possível a reparação na esfera cível, atravès de uma ação de danos morais, que pode ser ajuizada independentemente da denúncia criminal.
Fui vítima de stealthing. O que devo fazer?
Se você sofrer esse tipo de violência, deve ir à delegacia – preferentemente à Delegacia da Mulher – para registrar o ocorrido atravès de Boletim de Ocorrência – B.O., para que a autoridade policial inicie as investigações.
A autoridade policial não pode se recusar a registrar a ocorrência, mas, caso isso aconteça, registre reclamação na ouvidoria do órgão em que ocorreu a recusa. Sendo ineficaz a reclamação, procure o Ministèrio Público local para denunciar a recusa e o crime.
Após o registro do B.O., pode ser necessário que seja feito o exame de corpo de delito – realizado no Instituto Mèdico Legal – IML – e, por essa razão, è preferível que a vítima não tome banho após o ocorrido, para tentar salvaguardar a coleta de algumas provas importantes para a investigação e para o processo criminal, como a presença do sêmen, por exemplo.
Se possível, reúna todas as provas que puder: roupas, preservativo, toalha, conversas com o parceiro(a). Sabemos que não e uma tarefa fácil, sobretudo pelo sofrimento psíquico, mas são passos que irão te ajudar a garantir os seus direitos!
Por fim, não podemos esquecer que qualquer ato que seja feito sem a sua vontade è uma violação e você não pode e não deve se calar, sys!
Referências
Brodsky, Alexandra, ‘Rape-Adjacent’: Imagining Legal Responses to Nonconsensual Condom Removal (2017). Columbia Journal of Gender and Law, Vol. 32, No. 2, 2017. Disponível em https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2954726. Acesso em 10 dez. 2020
DA UNIVERSA, Jacqueline Elise. Tirar camisinha sem consentimento é crime: elas contam casos de stealthing. UOL, [S. l.], p. 1-8, 16 mar. 2019. Disponível em: https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2019/03/16/tirar-camisinha-sem-consentimento-e-crime-elas-contam-casos-de-stealthing.htm. Acesso em: 10 dez. 2020.
JUSTIÇA permite aborto em mulher que engravidou após parceiro tirar preservativo sem consentimento. Jovem Pan , [S. l.], p. 1-8, 17 dez. 2020. Disponível em: https://jovempan.com.br/noticias/brasil/justica-permite-aborto-em-mulher-que-engravidou-apos-parceiro-tirar-preservativo-sem-consentimento.html. Acesso em: 17 dez. 2020.
PINHATA, Thais. Remover o preservativo durante a relação sexual sem o consentimento é crime. Justificando , [S. l.], p. 1-4, 18 mar. 2020. Disponível em: https://www.justificando.com/2020/03/18/remover-o-preservativo-durante-a-relacao-sexual-sem-o-consentimento-e-crime/. Acesso em: 10 dez. 2020.
MUNIZ, Lamanda Marques. Stealthing e a Adequação Ao Direito Penal Brasileiro. Âmbito jurídico, [S. l.], p. 1-20, 1 abr. 2020. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/stealthing-e-a-adequacao-ao-direito-penal-brasileiro/. Acesso em: 10 dez. 2020.
SOARES, Renan. Retirar o preservativo durante o ato sexual constitui crime?. Jusbrasil, [S. l.], p. 1-6, 1 dez. 2016. Disponível em: https://renansoares7127.jusbrasil.com.br/artigos/455520761/retirar-o-preservativo-durante-o-ato-sexual-constitui-crime. Acesso em: 10 dez. 2020.
Olá, Laura.
Fico honrada que a minha pesquisa tenha sido utilizada para um conteúdo tão rico, O conhecimento deve ser difundido, assim garantimos que o maior número de mulheres saibam de seus direitos,
O conteúdo ficou excelente, parabéns! 🙌🏻
att, Lamanda Marques Muniz
gente pq esses termos em inglês?? não tem como colocar em português não?